
As bonecas tradicionais, feitas em cerâmica, constituem-se como um elemento central para a cultura, identidade e memória Karajá. Elas são confeccionadas em diversas comunidades do povo Iny (a forma que o grupo se autodenomina), etnia falante da língua Inyrybé (pertencente ao tronco linguístico macro-jê) e habitante do vale do rio Araguaia, nos estados do Pará, Mato Grosso, Tocantins e Goiás. As bonecas, chamadas de ritxòkò (na falta feminina) e ritxòò (na fala masculina), são usadas no processo de socialização das meninas, nos ensinamentos sobre a organização familiar e na transmissão de histórias, tradições e saberes expres-

Os traços que enfeitarão as bonecas são ensinados pelas artesãs mais velhas às crianças nas areias das praias do Araguaia e em espaços domésticos. Enquanto as mães e avós confeccionam as bonecas, é comum que as crianças brinquem de produzir os artefatos com as sobras de barro ou argila, transformando a arte de fazer em um processo de formação lúdica.
Para aplicar o grafismo nas bonecas, as ceramistas usam um pincel feito de palha de buriti com a ponta envolta por algodão nativo. Para a confecção das tintas que serão aplicadas na cerâmica, utiliza-se o jenipapo (cor preta), o urucum ou barro vermelho (cor vermelha) e o açafrão (cor amarela). Em geral, as formas geométricas dos grafismos seguem o mesmo padrão utilizado na pintura corporal, encontrando-se também em diversos outros objetos decorados, como remos, maracás, cestarias e esteiras.
Percebe-se a forte ligação da representação gráfica nas bonecas a um tempo mítico dos ancestrais, no qual a figura do Kynyxiwe tem papel central, já que é ele o responsável pela origem e aquisição dos objetos e
sos na produção material da comunidade. Atualmente, elas constituem-se também como importante fonte de renda para as famílias Karajá.
São produzidas exclusivamente por mulheres a partir de três materiais básicos: a argila ou o barro, a cinza e a água. Em geral, a confecção das bonecas segue cinco etapas: a extração e preparação do barro ou argila, a modelagem das figuras (representações de figuras humanas, animais e cenas do cotidiano), queima e pintura da peça, “tudo isso envolvendo um repertório de saberes que se inicia na seleção e coleta do barro até a pintura e decoração das cerâmicas (...). Ao indicar gênero, idade e estatuto social, a pintura e os adereços complementam a representação figurativa das bonecas, que identificam o Karajá homem ou mulher, jovem ou velho, solteiro ou casado, com todos os atributos que a cultura cria para distinguir convencionalmente essas categorias” [1].
Ao lado da fonte de inspiração tradicional, as artesãs são reconhecidas também pela sua habilidade em incorporar elementos externos à comunidade, fruto das relações interétnicas estabelecidas com o contato. A partir de 1940, nota-se a emergência de um novo padrão de confecção das bonecas, denominado de fase moderna, em contraposição à fase antiga. Assim, as bonecas são constantemente reelaboradas segundo a engenhosidade das artesãs e as necessidades do grupo.
Em janeiro de 2012, o Ofício e o Modo de Fazer as Bonecas Karajás passou a ser reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A proposta foi apresentada ao IPHAN pelas lideranças indígenas das aldeias Buridina e Bdè-Burè, localizadas em Aruanã/GO, e das aldeias Santa Isabel do Morro, Watau e Werebia, loca-
saberes Karajá. Segundo uma narrativa tradicional "Quando habitavam no fundo das águas, o ambiente era frio e restrito, mas eles estavam contentes e eram gordos. Certo dia, um jovem karajá encontrou uma passagem na Ilha do Bananal, saiu e ficou encantado com o espaço para correr, com as praias e riquezas do Rio Araguaia. Ele voltou, reuniu outros jovens, e tentou voltar para a superfície, mas a passagem tinha sido fechada por ordem de Koboi, chefe do povo das águas, e estava guardada por uma cobra. Então os Karajá resolveram se espalhar pelo Araguaia. Kynyxiwe, o herói mitológico que se encontrava entre eles, ensinou tudo o que os Karajá sabem.” [2]
lizadas na Ilha doBananal/TO. Seu reconhecimento pelo instituto ajudou na divulgação e fortalecimento desse saber tradicional Karajá em todo o território nacional, reforçando seu valor identitário e memorial para as comunidades que constituem a etnia.
[1] Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/…/bonecas-karaja-novo-patrimonio…. Acesso em: 28/03/2016.
[2] Disponível em: http://www.jornalopcao.com.br/…/bonecaskaraja-mais-bela-re…/. Acesso em: 28/03/2016.
Fernanda Aires Bombardi



Ritxòkò - Bonecas Karajá


Ilha do Bananal/TO, um dos territórios tradicionais dos Karajá
OBJETOS DO CONHECIMENTO que pode ser trabalhado por intermédio do documento:
1. Diversidade cultural, conflitos e vida em sociedade:Cultura material e imaterial; patrimônio e diversidade cultural no Brasil.História dos povos indígenas e a formação sociocultural brasileira.
COMPETÊNCIAS que podem ser trabalhadas por intermédio do documento:
CA1: Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.
CA4: Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
HABILIDADES que podem ser trabalhadas por intermédio do documento:
H1: Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
H2: Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H5: Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
H16: Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou na vida social.
Bonecas Karajá antigas
Bonecas Karajá Modernas
Índia Karajá confecionando boneca